Em desertos silenciosos e planos dos Estados Unidos, um fenômeno intrigante chama a atenção há décadas. Trilhas longas, curvas e perfeitamente desenhadas aparecem na lama seca, como se algo tivesse arrastado pedras pesadas por centenas de metros. No entanto, não há pegadas humanas, marcas de rodas ou sinais de intervenção. Só as rochas, imóveis no fim dos rastros. Estamos falando de pedras que se movem no deserto — um mistério que confundiu cientistas por gerações.

Embora a ciência hoje já conheça a explicação, o espanto permanece. Afinal, há algo de profundamente impressionante em ver pedras de mais de 300 quilos se moverem sozinhas, lenta e silenciosamente, sobre uma paisagem desértica.

Você deve se interessar também:


O mistério que atravessou décadas

Paisagem da Racetrack Playa com montanhas ao fundo e trilhas curvas deixadas por pedras que se moveram sozinhas no deserto.

Paisagem da Racetrack Playa, no Vale da Morte, com trilhas visíveis deixadas pelas pedras que se movem misteriosamente sobre o solo do deserto. Foto: “Roaming Rocks” por John Fowler, sob CC BY 2.0

As primeiras trilhas misteriosas foram observadas no início do século XX, na Racetrack Playa, uma planície seca localizada no Vale da Morte, na Califórnia. Mineradores encontraram pedras soltas sobre o barro endurecido, com rastros bem definidos atrás delas. Nada indicava como tinham se movido. Com o tempo, o local passou a atrair exploradores e geólogos.

Durante a década de 1940, os primeiros estudos sugeriram que o vento poderia empurrar as pedras quando o solo estivesse molhado. Entretanto, não havia registros do movimento real. As pedras mudavam de lugar, mas sempre longe dos olhos humanos. Por isso, a dúvida permanecia.

Conforme os anos passaram, as trilhas aumentaram. Algumas seguiam em linha reta, enquanto outras faziam curvas suaves ou mudanças bruscas de direção. Ainda assim, o elemento mais importante seguia ausente: alguém ver, de fato, uma pedra se mover.


Hipóteses bizarras (e algumas plausíveis)

Representação digital do experimento de 1952, com motor de avião apontado para uma pedra na Racetrack Playa.

Representação visual do experimento realizado em 1952, quando cientistas tentaram mover as pedras da Racetrack Playa com a força de um motor de avião — sem sucesso. Imagem gerada por inteligência artificial com base em registros históricos.

Diante da falta de testemunhas ou registros, muitas hipóteses foram levantadas. Algumas pessoas atribuíram o fenômeno a pequenos redemoinhos, enquanto outras sugeriram interferência de campos magnéticos ou até mesmo de forças sobrenaturais. Teorias mais extravagantes falavam em alienígenas ou fenômenos geológicos desconhecidos.

Em 1952, cientistas tentaram replicar o efeito com a força de um motor de avião. Posicionaram-no de forma a soprar diretamente sobre as pedras, mas nenhuma delas se moveu. A explicação mais aceita a partir dos anos 1990 passou a ser a formação de finas camadas de gelo sob as pedras durante noites extremamente frias. A ideia era que, ao amanhecer, essas placas congeladas poderiam deslizar, levando as pedras junto. Contudo, essa teoria continuava sem confirmação visual.

Apesar das especulações, a comunidade científica precisava de provas concretas.


A descoberta definitiva (e como ela foi feita)

Cientistas do Instituto Scripps registram uma pedra deslizando sobre uma fina camada de gelo, com equipamentos de monitoramento instalados.

Representação do experimento de 2013 que finalmente revelou como as pedras da Racetrack Playa se movem: deslizando sobre finas placas de gelo empurradas por ventos suaves. Imagem gerada por inteligência artificial com base em observações reais feitas pelo Instituto Scripps.

Foi só em 2013 que o mistério das pedras que se movem no deserto começou a ser desvendado de forma definitiva. Um grupo de pesquisadores do Instituto Scripps, liderado por Richard e James Norris, instalou sensores de GPS, câmeras de lapso de tempo e estações meteorológicas na Racetrack Playa. Sabiam que o movimento era raro, mas estavam dispostos a esperar o tempo necessário.

Depois de meses sem qualquer evento, uma sequência específica de condições finalmente aconteceu. Em dezembro, uma chuva leve criou uma lâmina de água com cerca de 7 cm de profundidade. Durante a madrugada, essa água congelou. Na manhã seguinte, o sol começou a derreter e quebrar o gelo em placas finas e móveis. Ventos suaves, de apenas 3 a 5 m/s, começaram a empurrar essas placas, que, por sua vez, arrastaram lentamente as pedras pela superfície da playa.

O experimento funcionou. Pela primeira vez, o fenômeno foi observado, registrado e medido com precisão. Algumas pedras chegaram a se mover por até cinco metros por minuto.


O fenômeno em outros desertos

Vista ampla do deserto de Alvord com vegetação esparsa, céu nublado e montanhas ao fundo.

Vista panorâmica do Deserto de Alvord, no Oregon, uma das paisagens áridas que inspiram comparações com a misteriosa Racetrack Playa. Foto: Sam Beebe, via Wikimedia Commons, sob CC BY 2.0

Embora a Racetrack Playa seja o local mais conhecido, as pedras que se movem no deserto não são exclusivas de lá. Fenômenos semelhantes já foram registrados em outros desertos dos Estados Unidos, como a Little Bonnie Claire Playa, em Nevada, e o Alvord Desert, no Oregon. Também há relatos em playas menores do Novo México.

Esses locais compartilham características semelhantes: são planícies de argila com baixo relevo, propensas a acumular uma fina camada de água e sujeitas a variações bruscas de temperatura. Assim como no Vale da Morte, pedras nesses locais deixam rastros visíveis, mesmo sem qualquer testemunha do movimento.

A multiplicação dos casos reforça que o fenômeno não é uma anomalia, mas sim uma interação rara — e belamente coordenada — entre elementos naturais.


A ciência por trás das pedras que se movem

Para que uma pedra se mova sozinha, três fatores precisam ocorrer juntos. O primeiro é a presença de uma lâmina rasa de água, normalmente formada por chuvas fracas. O segundo é o congelamento dessa água durante a noite, criando placas de gelo finas, mas grandes o suficiente para envolver as pedras. Por fim, o terceiro é o vento, que precisa ser leve e constante para empurrar o gelo, sem rompê-lo.

Esse conjunto de condições é tão específico que pode levar anos para acontecer novamente. Ainda assim, quando tudo se alinha, o resultado é surpreendente: pedras deslizando com suavidade por um chão que parece sólido, mas na verdade está temporariamente transformado em uma pista de baixa fricção.


Fragilidade e preservação

Apesar da robustez aparente, a superfície da playa é extremamente frágil. Marcas deixadas por pneus ou pisadas podem durar décadas. Em 2016, visitantes dirigiram sobre a Racetrack Playa, deixando danos permanentes que precisaram ser reparados manualmente. Em 2023, tempestades causadas por um furacão obrigaram o fechamento temporário da área.

Por isso, o Serviço Nacional de Parques mantém regras rígidas: não caminhar sobre o solo úmido, não mover as pedras, nem deixar qualquer tipo de marca. Preservar esse fenômeno exige respeito e cuidado com o ambiente.


Encerramento com efeito

Mesmo com o mistério resolvido, as pedras que se movem no deserto continuam fascinantes. Saber como elas se deslocam não tira sua magia — apenas a desloca para um novo lugar: o da admiração pela precisão da natureza.

Nem todo mistério precisa de magia para ser extraordinário. Às vezes, a beleza está justamente em descobrir que até pedras podem dançar, se as condições forem perfeitas.

Fontes e referências

  • PLOS One – Sliding Rocks on Racetrack Playa, Death Valley National Park: First Observation of Rocks in Motion
    Norris, R.D., Norris, J.M. et al. (2014). Artigo científico que documenta pela primeira vez o movimento das pedras por meio de sensores e imagens de lapso de tempo.
    Link direto para o artigo

  • National Park Service – The Racetrack
    Página oficial do Parque Nacional do Vale da Morte com orientações sobre visitação, preservação e explicações sobre o fenômeno.
    www.nps.gov/deva/planyourvisit/the-racetrack.htm

  • Atlas Obscura – The Racetrack Playa
    Descrição geográfica e cultural do local, com foco na experiência de visitação e no aspecto visual do fenômeno.
    www.atlasobscura.com/places/racetrack-playa

Imagem de capa

“Mysterious Roving Rocks of Racetrack Playa” por NASA Goddard Space Flight Center, licenciado sob CC BY 2.0

Posts Recomendados

Carregando recomendações...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *