Poucos enigmas fascinam tanto quanto o manuscrito de Voynich — um livro ilustrado, escrito em uma língua completamente desconhecida, que há séculos desafia linguistas, criptógrafos e historiadores. Apesar de dezenas de tentativas, nenhuma tradução foi aceita até hoje. Mas em 2018, uma nova abordagem trouxe um sopro de esperança: inteligência artificial tenta decifrar manuscrito Voynich com a ajuda de algoritmos capazes de identificar padrões linguísticos ocultos.

A iniciativa partiu de uma equipe da Universidade de Alberta, no Canadá, que aplicou técnicas modernas de processamento de linguagem ao texto misterioso. Os pesquisadores queriam ir além: entender se havia alguma lógica por trás daquela escrita aparentemente incompreensível — e, quem sabe, identificar o idioma escondido no código.

Mas será que a IA conseguiu resolver o quebra-cabeça que resistiu por mais de 600 anos? Ou apenas adicionou uma nova camada ao mistério?

Antes de falarmos sobre como a inteligência artificial foi usada para tentar decifrar esse texto misterioso, vale lembrar: o Manuscrito Voynich é um livro medieval escrito em um sistema completamente desconhecido, cheio de ilustrações enigmáticas.

Se quiser conhecer a história completa do manuscrito, sua origem, estilo visual e hipóteses mais populares, você pode ler nosso post dedicado a ele:
O que é o Manuscrito Voynich? O livro indecifrado que intriga o mundo.


Como a inteligência artificial foi aplicada ao texto

Em janeiro de 2018, o professor Greg Kondrak e o estudante de doutorado Bradley Hauer, especialistas em linguística computacional, decidiram aplicar técnicas de processamento de linguagem natural (PLN) ao Voynich. O objetivo era buscar padrões estatísticos que indicassem uma possível língua de origem.

Primeiro, os pesquisadores transliteraram o texto: converteram os símbolos do manuscrito para uma representação alfabética simplificada. Em seguida, alimentaram o algoritmo com traduções da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 400 idiomas. A comparação dos padrões de palavras — como frequência, estrutura e repetições — indicou um resultado inesperado: o hebraico medieval apareceu como o idioma mais semelhante.

Esse achado chamou atenção porque, até então, estudiosos cogitavam que o enigmático autor do manuscrito escrevera o texto em latim, árabe ou até mesmo em uma língua inventada.


A tentativa de tradução por anagramas

Depois de sugerir o hebraico como língua-base, a IA avançou para o próximo passo: reorganizar as palavras do manuscrito como se fossem anagramas — ou seja, tentativas de reordenar letras para formar palavras hebraicas reais.

Utilizando esse método, o sistema chegou a construir frases curtas. A mais divulgada foi:

“Ela fez recomendações ao sacerdote, ao chefe da casa e ao povo.”
She made recommendations to the priest, man of the house and people.

Embora a frase parecesse fazer sentido, surgiram dúvidas importantes:

  • Não havia contexto suficiente para saber de onde essa frase foi tirada.

  • O vocabulário, embora reconhecível, não tinha uma estrutura coerente com textos reais do período.


Por que a IA não conseguiu traduzir o manuscrito

Apesar do entusiasmo inicial, especialistas apontaram limites sérios nessa abordagem. O principal deles é que a IA pode identificar padrões, mas não compreende sentido, contexto ou intenção.

Alguns dos problemas encontrados:

  • Frases gramaticalmente artificiais: mesmo quando compostas por palavras hebraicas reais, os textos gerados pela IA não seguiam lógica narrativa nem histórica.

  • Ausência de validação externa: nenhum especialista em hebraico medieval participou da análise ou confirmou que o resultado fazia sentido dentro do uso real da língua.

  • Uso limitado de vocabulário: muitas das palavras sugeridas estavam presentes em dicionários modernos, mas não refletiam o estilo nem as expressões da época.

Em resumo: a IA não traduziu o manuscrito. Apenas demonstrou que seu conteúdo compartilha padrões formais com línguas reais — especialmente o hebraico.


Outras tecnologias envolvidas na investigação

Enquanto isso, pesquisadores também recorrem a outro recurso moderno para investigar o Voynich: o multispectral imaging, ou imagem multiespectral.

Essa técnica consiste em escanear o manuscrito com diferentes comprimentos de onda (como luz ultravioleta e infravermelha) para revelar camadas invisíveis a olho nu — incluindo rasuras, tinta oculta ou detalhes de pigmentação.

Esse método já foi útil em outros documentos históricos, como os Manuscritos do Mar Morto, e vem revelando indícios de que o manuscrito de Voynich pode ter sido escrito por múltiplas mãos. Além disso, pode ajudar a determinar se partes do texto foram alteradas ao longo do tempo.

Enquanto a IA busca padrões linguísticos, o multispectral imaging traz pistas físicas — e, juntos, esses métodos mostram que a solução depende de múltiplas áreas do conhecimento.


Conclusão

A inteligência artificial tenta decifrar o manuscrito de Voynich, mas não conseguiu ir além de hipóteses estatísticas. Ela ofereceu uma pista: o texto tem semelhança com o hebraico medieval. No entanto, ninguém conseguiu validar nenhuma das frases geradas como uma tradução legítima.

Esse caso nos mostra o potencial da IA como ferramenta de apoio à pesquisa histórica, mas também seus limites. Sozinha, ela não resolve o mistério. Linguistas, historiadores, criptógrafos e cientistas de dados ainda precisam trabalhar juntos para decifrar o manuscrito mais enigmático da história.

Talvez o segredo do Voynich não esteja apenas no que ele diz — mas no que ele nos obriga a buscar: colaboração, paciência e a coragem de enfrentar o desconhecido.

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Referências

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