1. O alerta por trás da notícia
Foi durante uma fala no StartupGrind, no final de abril, que Kevin Systrom — cofundador do Instagram — soltou uma crítica que toca diretamente em nosso relacionamento com a IA. O evento, uma das maiores conferências globais voltadas para inovação e empreendedorismo tecnológico, reuniu nomes influentes do setor para discutir os rumos da indústria.
Logo, a fala de Systrom chamou atenção: segundo ele, as inteligências artificiais estão mais preocupadas em “aumentar o engajamento” do que em serem realmente úteis. A prática que ele denuncia? Uma IA que, ao final de cada resposta, lança outra pergunta. Ou que insiste em parecer simpática e próxima quando o usuário só queria uma resposta direta.
Systrom chegou a dizer que esse comportamento é comparável ao das plataformas de redes sociais nos seus momentos mais agressivos de expansão. Para ele, estamos vendo as IAs “descendo o mesmo buraco” — substituindo clareza por envolvimento e objetividade por performance de métrica.
A crítica, apesar de direcionada ao mercado de IA como um todo, ganhou eco nos bastidores do ChatGPT. A OpenAI respondeu apontando que a IA nem sempre tem informação suficiente para responder de forma definitiva, e por isso pode fazer perguntas para entender melhor o que o usuário deseja. Mas o detalhe que muitos ignoram é que esse hábito de ‘prolongar a conversa’ também nasce e se fortalece com o uso — ou melhor, com aquilo que gera mais cliques, mais tempo de tela, mais interação.
Essa é a semente do nosso dilema: o que parece útil pode estar apenas performando utilidade. O que parece empatia pode ser só retenção disfarçada. E, como quase sempre acontece quando algo é gratuito, a moeda que sustenta essa relação… somos nós.
2. Como configurar o ChatGPT para respostas mais diretas
Apesar de parecer inevitável, esse ciclo pode ser interrompido — ou ao menos controlado. O ChatGPT, por exemplo, oferece ferramentas que ajudam a ajustar o comportamento da IA e tornar nosso relacionamento com ela mais objetivo.
Veja algumas ações simples que você pode tomar:
Configure o tom e estilo da IA
Acesse Configurações > Personalização e defina se prefere respostas diretas, sintéticas, mais analíticas ou objetivas. Isso reduz a tendência da IA de buscar “engajamento superficial”.Gerencie a memória da IA
Em Configurações > Memória, você pode ver o que a IA sabe sobre você, apagar elementos ou redefinir tudo. Isso impede que hábitos indesejados se perpetuem.Evite reforçar comportamentos que você não deseja
Quando a IA estende demais uma resposta, peça de forma clara que seja mais direta.Plano Gratuito vs Plano Pago
A maioria dessas ferramentas está disponível mesmo no plano gratuito (com o modelo GPT-3.5). A única funcionalidade exclusiva do plano pago (GPT-4) é a continuidade entre chats, que permite que a IA compreenda conversas anteriores e mantenha consistência ao longo do tempo.
Esses ajustes colocam parte do controle de volta nas mãos do usuário. Não resolvem o problema em escala, mas são um gesto de autonomia num ambiente cada vez mais projetado para nos convencer de que está tudo bem.
3. O que estamos, de fato, treinando?
Estamos, aos poucos, nos acostumando a uma relação em que presença importa mais que clareza, e simpatia mais que precisão. E isso molda nossa forma de buscar respostas — como se a sensação de proximidade valesse mais do que a verdade em si.
Se toda resposta é acompanhada de uma pergunta, se toda troca precisa parecer gentil, se toda dúvida vira uma conversa, talvez estejamos nos afastando da ideia de conhecimento como algo objetivo — e nos aproximando da ideia de “interação” como um fim em si mesmo.
A armadilha da utilidade está justamente aí: ela simula algo valioso para capturar algo ainda mais valioso — nosso tempo, nossa atenção e, pouco a pouco, nossa régua de discernimento.
A pergunta final, então, talvez não seja apenas “o que a IA está fazendo com a gente?”, mas também: que tipo de resposta esperamos dela?
Essa é a virada mais sutil — e talvez mais relevante — em nosso relacionamento com a IA.