Hollywood pode perder a China. A frase soa exagerada, mas resume o temor crescente de uma nova crise no cinema global. Com a volta de Donald Trump ao poder, as tarifas contra o país asiático reacenderam tensões comerciais — e já se fala em uma possível retaliação com o banimento total de filmes americanos.

Essa decisão, se confirmada, teria um impacto direto no cinema global. Em um momento de recuperação frágil, a exclusão do segundo maior mercado consumidor de filmes no mundo pode abalar as estratégias dos grandes estúdios, afetar receitas bilionárias e até comprometer produções futuras.


O peso da China para os grandes estúdios

Embora os filmes americanos tenham perdido espaço na China nos últimos anos, o país ainda representa uma parcela significativa da bilheteria mundial. Em 2024, por exemplo, Godzilla x Kong: The New Empire arrecadou US$ 132 milhões apenas na China. Já Alien: Romulus somou mais de US$ 110 milhões no mercado chinês. Até produções de médio porte, como The Beekeeper, lucraram mais de US$ 16 milhões graças aos espectadores chineses.

Hollywood consolidou sua presença na China a partir da abertura iniciada em 2001, quando o país ingressou na Organização Mundial do Comércio e, com isso, passou a permitir a importação limitada de filmes estrangeiros. Desde então, esse número aumentou gradualmente: em 2012, o limite chegou a 34 filmes por ano. Mais recentemente, em 2024, a China exibiu 93 longas internacionais — o maior número desde 2019 — e, em um movimento simbólico, reabriu oficialmente as portas para Hollywood em janeiro de 2025.

Apesar dessa reaproximação recente, o terreno sempre foi instável. O governo chinês continua impondo censuras e regras rígidas, e os estúdios americanos recebem apenas cerca de 25% da receita bruta de bilheteria no país — uma fatia bem menor do que em outros mercados.


Um cenário econômico desfavorável

A possível exclusão da China do circuito hollywoodiano acontece justamente quando o cinema global ainda tenta se estabilizar após anos de dificuldades. Hollywood pode perder a China — e o impacto dessa perda vai além da bilheteria. A pandemia fechou salas de exibição por longos períodos e atrasou lançamentos. Em seguida, as greves de roteiristas e atores em 2023 paralisaram produções por meses.

Em 2025, apesar de estreias promissoras — como A Minecraft Movie, que arrecadou US$ 314 milhões na abertura global — o desempenho nos Estados Unidos continua cerca de 5% abaixo do registrado no mesmo período de 2024. Como resultado, excluir a China da equação significa perder um apoio estratégico para compensar a retração do mercado doméstico.

E não para por aí: o impacto das tarifas de Trump no cinema pode atingir também os próprios consumidores. Um estudo recente da Universidade de Yale estimou que essas tarifas podem aumentar os gastos anuais das famílias americanas em até US$ 4.200. Em tempos de aperto financeiro, o entretenimento costuma ser um dos primeiros itens a sofrer cortes.

Com o custo dos ingressos cada vez mais alto — e com a previsão de novos aumentos — a ida ao cinema tende a deixar de ser prioridade para muitas pessoas, especialmente para famílias. Nesse cenário, caso essa tendência se confirme, os estúdios provavelmente terão que repensar não apenas o volume, mas também o tipo de filmes que produzem.


Muito além da bilheteria: o efeito dominó

Mesmo com a redução recente da dependência de Hollywood em relação à China, perder esse mercado agora seria mais do que um revés financeiro — seria um sinal de alerta para toda a cadeia produtiva do entretenimento. Estúdios planejam filmes de grande orçamento, como Avatar: Fire and Ash, com foco no apelo global. E embora não devam ser orçados contando com o mercado chinês, eliminar completamente essa possibilidade pode comprometer sua rentabilidade.

Dois Na'vi observam uma floresta sendo consumida por um incêndio de grandes proporções.

Cena do filme: Avatar Fire And Ash

Na prática, isso pode significar:

  • Redução no número de blockbusters;

  • Menos empregos no setor criativo;

  • Cortes em campanhas de marketing internacionais;

  • Revisão nas temáticas abordadas para evitar tensões políticas.


Um conflito comercial com reflexos culturais

O impacto das tarifas de Trump no cinema não se resume a cifras. Trata-se também da forma como decisões políticas moldam o que o mundo consome como cultura. Quando tensões geopolíticas impedem que certos filmes sejam exibidos em mercados estratégicos, há uma perda simbólica e criativa que vai além da economia.

A indústria do cinema já provou sua capacidade de reinvenção. Mas a exclusão da China, combinada à pressão econômica interna, pode exigir ajustes mais profundos — tanto no modelo de negócios quanto na linguagem das produções.

E talvez o maior desafio não esteja nos números, mas na forma como a cultura global se fragmenta quando as pontes entre os países começam a ruir.

Em um mundo onde a política interfere cada vez mais na arte, será que o cinema ainda conseguirá unir o que a geopolítica insiste em dividir?

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