Vênus está vivo? A descoberta que reabriu o debate
Durante muito tempo, os cientistas consideraram Vênus um planeta morto devido às suas condições extremas: atmosfera densa, temperaturas infernais e uma superfície aparentemente estática. Contudo, uma recente análise de dados da missão Magellan, da NASA, trouxe à tona uma revelação surpreendente: o tectonismo em Vênus ainda está ativo, contrariando décadas de suposições.
Diferentemente da Terra, onde placas tectônicas deslizam e reciclam a crosta, o movimento em Vênus acontece por meio de forças internas, especialmente por plumas quentes que emergem do manto e deformam a superfície.
Essa descoberta não apenas desafia a ideia tradicional sobre Vênus, mas amplia nosso entendimento sobre planetas fora do Sistema Solar. Se planetas podem ter tectonismo sem placas móveis, quantos outros mundos ativos deixamos de considerar?
O que são as coronae e por que são importantes?
Marcas circulares, sinais profundos
As coronae são grandes formações circulares que marcam a superfície de Vênus — verdadeiras cicatrizes geológicas com padrões concêntricos de fraturas. Elas podem medir de dezenas a centenas de quilômetros e, além disso, indicam que o planeta já passou (ou ainda passa) por forças internas de grande intensidade.
Desde os anos 1990, com os primeiros mapas obtidos pela sonda Magellan, os cientistas já cogitavam que essas estruturas fossem resultado de plumas de material quente vindas do manto de Vênus, capazes de empurrar e deformar a crosta.
Essa hipótese, no entanto, ganhou reforço em fevereiro de 2023, quando a NASA publicou uma reanálise dos dados da Magellan utilizando modelos mais avançados. De acordo com o novo estudo, muitas coronae se formam em regiões onde a litosfera é surpreendentemente fina — cerca de 11 km — o que facilita significativamente a liberação de calor do interior do planeta.
Consequentemente, essas formações funcionam como válvulas geológicas: o calor acumulado sobe, eleva o terreno, causa rachaduras e, em alguns casos, até provoca afundamentos nas bordas. Desse modo, o mecanismo das coronae reforça a ideia de que Vênus segue geologicamente ativo, mesmo sem apresentar placas tectônicas como as da Terra.
Três tipos de atividade tectônica em Vênus
Um estudo recente identificou atividade contínua em 52 das 75 coronae mapeadas, apontando três principais mecanismos:
Subducção localizada: O material das plumas colide com a crosta e retorna ao interior do planeta.
Afundamento da litosfera (lithospheric dripping): Blocos densos da crosta afundam lentamente no manto quente.
Plumas que alimentam vulcanismo: O calor intenso provoca vazamento de magma na superfície.
Esses processos representam um tectonismo alternativo ao que conhecemos na Terra, mantendo o planeta ativo e renovando sua superfície.
O tectonismo venusiano pode ocorrer em outros planetas?
Nem toda vida precisa de placas tectônicas
Na Terra, as placas tectônicas são essenciais para reciclar carbono, estabilizar o clima e criar condições favoráveis à vida. A descoberta em Vênus sugere uma perspectiva diferente: o tectonismo pode existir sem placas móveis.
Planetas rochosos podem, portanto, manter vulcanismo, calor interno e ciclos químicos, mesmo sem litosferas fragmentadas. Essa revelação altera significativamente a forma como avaliamos a atividade geológica e a habitabilidade de outros mundos.
Exoplanetas e a geodinâmica alienígena
Milhares de exoplanetas rochosos já foram descobertos, muitos deles semelhantes à Terra e a Vênus. Antes, acreditava-se que planetas sem placas tectônicas eram geologicamente mortos. No entanto, o exemplo de Vênus indica o contrário.
Ou seja, um planeta ativo, mesmo com uma crosta contínua, pode renovar sua superfície por meio de processos internos. Desse modo, a descoberta redefine os critérios usados para avaliar a habitabilidade extraterrestre. Como resultado, amplia-se o escopo das buscas por vida alienígena.
O valor dos dados antigos: Magellan e VERITAS
A descoberta do tectonismo em Vênus só foi possível graças aos dados coletados pela sonda Magellan, lançada pela NASA em 1989. Com o uso de técnicas modernas e modelos avançados, os cientistas conseguiram identificar sinais claros de atividade interna.
Para dar continuidade a essa linha de pesquisa, a NASA lançará, em 2031, a missão VERITAS, equipada com sensores de alta precisão. A expectativa é que a missão produza mapas detalhados e analise a composição química e a estrutura interna do planeta. Assim, será possível confirmar e expandir as descobertas atuais.
Uma janela para o passado da Terra e o futuro da ciência planetária
O tectonismo em Vênus ajuda a entender como era a Terra antes do surgimento das placas tectônicas. Provavelmente, nosso planeta também passou por processos internos semelhantes em sua juventude.
Além disso, essas descobertas ampliam o olhar para fora do Sistema Solar. Planetas distantes, mesmo sem placas móveis, podem manter atividade geológica intensa sob uma crosta aparentemente estática.
Por isso, o estudo transforma nossa forma de avaliar a habitabilidade de outros mundos. Ele mostra que, mesmo em ambientes extremos, ainda podem existir ciclos geodinâmicos ativos.
Esses resultados também valorizam o papel da ciência que retorna ao passado. Ao reinterpretar dados antigos com novas ferramentas, os cientistas revelam informações que estavam escondidas há décadas.
No fim das contas, até os planetas mais silenciosos podem esconder movimento. E, na ciência, olhar de novo pode ser o passo mais importante para enxergar o que sempre esteve lá.
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Fonte da pesquisa citada neste artigo:
O conteúdo deste post se baseia no estudo divulgado pela NASA em fevereiro de 2023, a partir de uma reanálise dos dados da missão Magellan. A pesquisa foi conduzida por Suzanne Smrekar, cientista do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL), e publicada na revista científica Nature Geoscience.