Os efeitos da reentrada de satélites na atmosfera vão muito além do espetáculo visual que vemos no céu — aquele rastro brilhante que lembra um meteoro. Por trás da beleza, existe um processo físico e ambiental pouco discutido. O que realmente acontece com esses objetos quando queimam na atmosfera? Eles desaparecem por completo ou deixam um rastro invisível no ar? Neste artigo, vamos explorar os bastidores desse fenômeno e refletir sobre as consequências pouco visíveis que ele pode trazer para a Terra.
O que é uma reentrada de satélite?
Quando um satélite artificial ou parte de um foguete finaliza sua missão no espaço, ele precisa dar um último passo: retornar à Terra. Esse retorno é conhecido como reentrada atmosférica, e pode ocorrer de forma controlada ou não controlada.
A reentrada controlada acontece quando as agências espaciais planejam a queda do objeto, geralmente direcionando-o para uma região remota do oceano, chamada de Ponto Nemo — o lugar mais isolado do planeta. Já a reentrada não controlada ocorre quando não há mais controle sobre o objeto, e ele simplesmente segue uma trajetória de queda, influenciada por fatores como gravidade, arrasto atmosférico e rotação da Terra.
Nos dois casos, o fenômeno é visualmente impressionante: o objeto entra em contato com a atmosfera a uma velocidade que pode ultrapassar 25 mil km/h, gerando atrito com o ar e um calor intenso, suficiente para causar sua fragmentação e incineração parcial ou total. Do solo, isso pode ser visto como uma trilha luminosa que cruza o céu — muitas vezes confundida com um meteoro.
Recentemente, em maio de 2025, uma dessas reentradas foi amplamente registrada no Brasil: o segundo estágio de um foguete Falcon 9, da SpaceX, que havia sido lançado em 2014. O objeto passou por estados como Distrito Federal, Goiás, Bahia e Minas Gerais, chamando atenção pela beleza do rastro que deixou no céu. O que poucos perceberam, no entanto, é que essa beleza esconde os efeitos da reentrada de satélites na atmosfera — e é justamente sobre isso que o restante deste artigo se propõe a falar.
O que acontece com o satélite durante a reentrada?
Durante a reentrada, o satélite é submetido a condições extremas. O contato com o ar em alta velocidade provoca um aquecimento intenso por atrito e compressão das moléculas atmosféricas. A temperatura pode ultrapassar 3.000ºC, fazendo com que os materiais se fundam, vaporizem ou se fragmentem.
Os componentes mais comuns de um satélite, como alumínio, títânio, lítio, plásticos, cerâmicas e circuitos eletrônicos, se transformam em gases, vapores metálicos ou aerossóis. Em muitos casos, não sobra nenhuma parte reconhecível do objeto. Mas isso não significa que ele deixou de existir. Apenas se transformou.
A maioria dos satélites pequenos realmente se desintegra completamente antes de atingir o solo. Mas objetos maiores ou com peças mais resistentes, como tanques de combustível feitos de títânio, podem sobreviver à reentrada e cair em áreas remotas da Terra ou no oceano.
O satélite desaparece mesmo? A visão da entropia
A ideia de que um satélite “desaparece” na atmosfera é, do ponto de vista físico, incorreta. Afinal, segundo a segunda lei da termodinâmica, a energia e a matéria não se perdem; elas apenas se transformam, aumentando a entropia do sistema.
Na prática, isso significa que o satélite não some: ele vira calor, gases, vapores metálicos e partículas microscópicas. Esses resíduos, por sua vez, se espalham na atmosfera e, em alguns casos, permanecem ali por semanas ou até anos, dependendo da altitude e da composição.
Ou seja, o objeto que encantou os olhos ao cair como um “cometa artificial” ainda está conosco. Mas agora, invisível e disperso.
Reentrada do satélites na atmosfera e seus efeitos: Gases e metais no ar
Pesquisas recentes têm mostrado que as reentradas frequentes de objetos espaciais estão liberando quantidades relevantes de metais na atmosfera superior. Além disso, um estudo publicado na Geophysical Research Letters mostrou um aumento de quase 30% na concentração de alumínio em determinadas camadas da atmosfera, associado a reentradas.
Esses materiais incluem:
- Óxidos de alumínio: provenientes de estruturas e painéis.
- Vapores de lítio e cobre: usados em baterias e circuitos.
- Resíduos de plástico queimado: que podem gerar compostos orgânicos voláteis.
Apesar da alta dispersão, esses elementos têm o potencial de interferir com processos atmosféricos, como a formação de nuvens, a propagação de radiação e até mesmo a química do ozônio. Ainda não há consenso científico sobre os impactos de longo prazo, mas o alerta está lançado.
Uma preocupação crescente com as megaconstelações
Com a corrida por megaconstelações de satélites, como a Starlink (SpaceX) e a OneWeb, a expectativa é que dezenas de milhares de satélites sejam lançados nos próximos anos. A cada fim de ciclo, essas estruturas precisam reentrar na atmosfera.
Se hoje já temos preocupações com alguns milhares de objetos, o que esperar quando esse número for multiplicado por dez? Mesmo que cada reentrada individual libere quantidades pequenas de materiais, o efeito cumulativo pode se tornar significativo em escala planetária.
Alguns cientistas comparam isso ao que aconteceu com os microplásticos nos oceanos: no início, parecia irrelevante. Agora, sabemos que eles estão em toda parte, inclusive no nosso organismo.
Estamos poluindo o céu sem perceber?
A imagem de um satélite queimando no céu pode ser hipnotizante. Mas por trás do espetáculo está um processo de transformação que não é neutro. O que hoje é apenas um rastro de luz pode ser, no futuro, parte de um debate ambiental global.
Entender o que acontece com esses objetos é o primeiro passo para repensarmos como queremos ocupar o espaço. A exploração espacial não precisa repetir os erros da indústria terrestre. Mas para isso, é preciso encarar o que está acima de nós com a mesma responsabilidade que cobramos do que está ao nosso redor.
Fontes e estudos utilizados:
- Geophysical Research Letters. Satellite reentries increase aluminum in the atmosphere
- University of Southampton. Environmental impact of deorbited satellites
- European Space Agency (ESA). Workshop on Atmospheric Re-entries
- PEER.org. Satellite-generated atmospheric pollution to skyrocket
Quer seguir explorando temas que ampliam os limites da ciência e da tecnologia? Veja também: