O plano absurdo (mas real)

Em 1958, um grupo de cientistas contratados pela Força Aérea dos Estados Unidos recebeu uma missão incomum: desenvolver uma forma simbólica de mostrar poder ao mundo. Os idealizadores buscavam uma proposta ousada, impactante e, se possível, visível da Terra. A ideia apresentada foi essa: explodir uma bomba nuclear na Lua.

A lógica por trás do plano era clara. A União Soviética havia saído na frente com o lançamento do Sputnik, e, em resposta, os Estados Unidos buscavam uma ação à altura. Por isso, uma explosão nuclear fora do planeta poderia servir como um gesto definitivo de superioridade tecnológica.

O projeto, então, ganhou um nome técnico e discreto: Projeto A119. Mas afinal, quem se dispôs a colocá-lo em prática? E, mais importante, o que fez esse plano deixar de ser segredo e virar uma das ideias mais bizarras já consideradas na corrida espacial?

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Corrida espacial e paranoia

Réplica do satélite Sputnik-1 em frente ao Planetário de Madri, instalado em 2007 para marcar os 50 anos do lançamento original.

Réplica em tamanho real do satélite Sputnik-1, instalada em 2007 em frente ao Planetário de Madri. A escultura comemora os 50 anos do lançamento do primeiro objeto feito pelo ser humano a entrar em órbita da Terra, realizado pela União Soviética em 1957. Foto de Barcex, via Wikimedia Commons – Licença CC BY-SA 3.0

Conflitos e disputas geopolíticas marcaram o final da década de 1950. A Guerra Fria estava em pleno andamento, e a União Soviética havia acabado de abalar o mundo ao lançar o primeiro satélite artificial da história, o Sputnik 1, em outubro de 1957. Como resultado, esse feito transformou a corrida espacial em uma questão de prestígio e de segurança nacional.

Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, o sentimento era de urgência. Havia medo de que os soviéticos estivessem tecnologicamente superiores e até mesmo militarizando o espaço. Com isso, nasceu a ideia de um gesto simbólico e público, algo que reafirmasse a liderança americana. Em resumo, foi nesse contexto que surgiram os estudos para uma detonação nuclear controlada fora da Terra.

É nesse cenário de urgência e exibição de poder que surge a proposta mais extrema da corrida espacial: explodir a Lua.


O nascimento do Projeto A119

Avião militar C-17 Globemaster III estacionado na Base Aérea de Kirtland, no Novo México, local onde o Projeto A119 foi desenvolvido pelos EUA.

Base Aérea de Kirtland, no Novo México, onde o Projeto A119 foi desenvolvido pela Força Aérea dos EUA. Foto de Ken Lund, via Wikimedia Commons – Licença CC BY 2.0

A proposta foi formalizada dentro da Força Aérea dos EUA, com o título técnico “A Study of Lunar Research Flights”. O Air Force Special Weapons Center, localizado na base de Kirtland, no Novo México, conduziu o projeto em sigilo.

Para executar o projeto, os militares contrataram a Armour Research Foundation, de Chicago. O comando militar designou o físico Leonard Reiffel para liderar os estudos e coordenar a equipe de cientistas responsável por avaliar a viabilidade da missão. Entre os membros do time estava um jovem promissor de 23 anos chamado Carl Sagan, que mais tarde se tornaria uma das maiores vozes da divulgação científica no século XX.

Durante os estudos, a equipe avaliava aspectos técnicos, físicos e visuais da explosão. A ideia era que a detonação ocorresse no terminador lunar — a linha que divide o lado iluminado do lado escuro da Lua — para garantir máxima visibilidade da explosão a partir da Terra.

Carl Sagan jovem, ainda nos anos 1960, quando participou do Projeto A119, contribuindo com cálculos sobre explosões nucleares na Lua.

Carl Sagan, pesquisador que participou do Projeto A119. Imagem via Wikimedia Commons – Domínio público


O que realmente se sabia sobre os efeitos?

Apesar da precisão dos cálculos, o nível de incerteza era alto. Os cientistas sabiam pouco sobre a composição da superfície lunar, sobre a possibilidade de ejeção de detritos, ou mesmo sobre o comportamento da radiação em um ambiente sem atmosfera.

Estudos indicavam que a explosão deixaria uma cratera relativamente pequena, devido à gravidade reduzida e à ausência de atmosfera. A ogiva sugerida tinha potência de cerca de 1 megatonelada, mas o impacto visual era o principal objetivo. Os responsáveis pelo projeto não esperavam uma destruição massiva, mas sim um brilho que pudesse ser visto da Terra como demonstração de poder.

Reiffel e sua equipe também consideraram os riscos de falha. Uma missão desse tipo envolvia precisão orbital e controle remoto em um tempo em que os computadores ainda ocupavam salas inteiras. Qualquer erro poderia resultar em fracasso completo ou em consequências políticas desastrosas.


Por que o projeto foi abandonado

Em 1959, o Projeto A119 foi encerrado discretamente. Não houve anúncio público, nem debate no Congresso, nem exposição na imprensa. Logo, os registros permaneceram classificados por décadas.

No entanto, o motivo principal do cancelamento não foi técnico. O que pesou foi a percepção de que explodir a Lua poderia gerar mais medo do que admiração. Uma ação desse tipo corria o risco de ser interpretada como agressiva e provocativa, especialmente em um momento em que o mundo começava a discutir limites éticos para o uso de armas nucleares.

Além disso, havia dúvidas reais sobre os ganhos científicos e estratégicos de uma ação como essa. Detonar uma bomba fora da Terra não teria valor militar concreto e poderia comprometer futuras iniciativas espaciais. O risco, o custo, a imagem internacional e a utilidade questionável levaram os responsáveis a abandonar o plano.


Como o mundo descobriu essa história

Durante mais de quarenta anos, o Projeto A119 permaneceu em sigilo. A história só veio a público em 2000, quando Leonard Reiffel concedeu uma entrevista ao jornal The Guardian, revelando detalhes sobre o plano. Posteriormente, trechos do relatório original foram desclassificados e liberados pelo National Security Archive.

A revelação causou espanto e virou notícia em vários países. Saber que um jovem Carl Sagan havia feito parte dos cálculos ajudou a dar ainda mais destaque ao caso. Curiosamente, o envolvimento de Sagan só veio à tona porque ele mencionou trechos do projeto em sua candidatura para um programa de pós-doutorado, o que, tecnicamente, violava o sigilo da operação.


Legado e reflexões

O Projeto A119 nunca saiu do papel, mas seu legado é real. O projeto exemplificou o tipo de pensamento que emergia nos anos mais tensos da Guerra Fria, quando ideias extremas eram levadas a sério em nome da dissuasão estratégica.

O caso também ajudou a impulsionar discussões que levaram à assinatura do Tratado do Espaço Exterior, de 1967, que proíbe o uso de armas nucleares no espaço e em corpos celestes. Em parte, o mundo percebeu que precisava criar regras antes que alguma dessas ideias virasse realidade.

Hoje, a história de quando os Estados Unidos pensaram em explodir a Lua circula como uma nota curiosa, um episódio que parece ficção, mas é uma lembrança concreta dos tempos em que o poder falava mais alto do que o bom senso.

Referências

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