No deserto, um padrão impossível
No meio do deserto da África Austral, a terra se organiza em padrões que mais parecem obra de outro mundo. São centenas de milhares de clareiras perfeitas, cercadas por um anel de vegetação, e, além disso, repetidas ao longo de centenas de quilômetros. Essas formações, conhecidas como círculos de fadas na Namíbia, criam um mosaico hipnotizante quando vistas do alto — geométrico, simétrico, e, sobretudo, quase impossível de ignorar.
Durante décadas, cientistas tentaram entender o que causa essas marcas na paisagem. Por exemplo, seriam cupins escavando o solo? Plantas disputando a pouca água do deserto? Ou, por outro lado, um mistério ainda maior escondido sob a areia?
Apesar de todas as pesquisas, ainda não há consenso. O fenômeno continua desafiando explicações e dividindo a comunidade científica.
O que está por trás desses círculos perfeitos? E por que eles também aparecem do outro lado do planeta, na Austrália?
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Quando a ciência encontra um padrão… e trava

Vista aérea dos círculos de fadas no deserto da Namíbia, evidenciando o padrão geométrico das clareiras. Foto: Olga Ernst & Hp.Baumeler. Licença CC BY-SA 4.0. Wikimedia Commons
A descoberta dos círculos não é recente — registros existem desde os anos 1970 —, mas foi com as imagens aéreas e de satélite que a real dimensão do fenômeno se revelou. No sudoeste da Namíbia, as marcas se estendem por mais de dois mil quilômetros, sempre nas zonas mais áridas, onde a chuva mal toca o solo.
Os círculos variam de 2 a 15 metros de diâmetro e mantêm um espaçamento quase perfeito entre si, como se obedecessem a uma lógica invisível. E esse padrão não acontece por acaso: ele se repete com precisão matemática.
Pesquisadores começaram a desconfiar que havia mais do que simples capricho da natureza envolvido. Mas a primeira armadilha logo apareceu: nenhuma hipótese parecia dar conta de tudo.
Hipótese 1: cupins engenheiros do deserto
A teoria mais antiga — e até hoje a mais polêmica — é a dos cupins. Segundo ela, colônias subterrâneas de insetos consomem seletivamente as raízes das gramíneas no centro dos círculos, criando clareiras e, ao mesmo tempo, deixando apenas os anéis vegetais onde a umidade se acumula.
Na Austrália, essa explicação ganhou força. Povos indígenas da região conhecem essas formações há milhares de anos e apontam os linyji como locais associados a ninhos de cupins do gênero Drepanotermes. Posteriormente, em escavações recentes, pesquisadores confirmaram que boa parte dos círculos australianos tem um ninho ativo no centro.
Mas na Namíbia, a situação muda. Em muitos círculos, não há cupins. E mesmo quando há, não há evidência clara de que tenham causado a morte da vegetação central. Os próprios cientistas que investigaram as raízes encontraram plantas mortas por desidratação, não por ataque de insetos.
Hipótese 2: plantas que se organizam sozinhas

Fonte: Communications Biology (2020), Nature Portfolio. Licença CC BY 4.0.
Outra explicação surgiu a partir da ecologia de sistemas: e se as plantas estivessem se organizando por conta própria, sem nenhuma ação externa? A chamada auto-organização vegetal propõe que, em ambientes extremamente áridos, as gramíneas competem de forma tão intensa por água que acabam criando padrões espaciais para maximizar a sobrevivência.
Nessa visão, os círculos de fadas na Namíbia seriam o resultado de um equilíbrio matemático entre escassez e cooperação. A vegetação ao redor dos círculos ajuda a reter a pouca umidade disponível, enquanto o centro permanece estéril por ser o ponto onde a água não é suficiente para sustentar vida.
Estudos com drones, imagens temporais e modelos matemáticos reforçam essa hipótese. Em algumas regiões, os círculos desaparecem após anos de chuvas mais intensas — e voltam a surgir quando o clima volta a secar.
Mas há um problema: na Austrália, onde o padrão também existe, a vegetação é diferente, o solo é mais duro e os cupins estão sempre presentes. Isso sugere que a auto-organização, por si só, talvez não explique tudo.
Hipótese 3: algo entre os dois extremos
Com o avanço dos estudos, uma nova possibilidade começou a ganhar força: não existe uma única causa universal. O que vemos na Namíbia pode ser diferente do que ocorre na Austrália, mesmo que o resultado visual seja semelhante.
Em alguns locais, a ação dos cupins pode ser determinante. Por outro lado, em outras regiões, a chave pode estar na distribuição das plantas em resposta à água. Há ainda quem levante a possibilidade de um processo inicial por cupins, seguido de manutenção pelo próprio padrão hídrico.
A ciência parece ter aceitado que o fenômeno é multifatorial, variável e ainda cheio de lacunas. E, no fundo, talvez seja isso que o torna tão fascinante.
O enigma continua

Paisagem ampla dos círculos de fadas na Namíbia, com clareiras bem definidas cercadas por vegetação. A imagem mostra a impressionante regularidade do fenômeno em contraste com o relevo ao fundo. Fonte: Stephan Getzin (via Beavis729). Licença CC BY 2.5. Wikimedia Commons
O que permanece é a beleza desconcertante dos círculos. Não importa se o agente é um inseto, a planta ou o clima: o padrão que se forma é preciso, delicado e, ao mesmo tempo, profundamente misterioso.
A natureza, ao que tudo indica, conhece formas de equilíbrio que ainda escapam à nossa compreensão. E os círculos de fadas na Namíbia, com suas geometrias perfeitas em meio ao caos do deserto, são um lembrete visual disso.
Algumas respostas começaram a surgir, mas nenhuma que dê conta de todos os lugares, todas as variáveis, todas as exceções. Talvez seja justamente essa lacuna que os torne inesquecíveis.
Nota: Imagem de capa ilustrativa. Representa o fenômeno dos círculos de fadas na Namíbia com base em descrições científicas, mas não corresponde a uma fotografia real.
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